segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

NÃO SE COSTURA O TEMPO

Ele era membro de uma igreja.  18 anos, bancário, bem articulado, mas destituído de encantos físicos. Cantava bem com sua voz afinada de barítono. Pertencia a um clube semelhante aos escoteiros, eram os desbravadores.
       Ela era magra, cabelos longos, cacheados, olhos cor de folha. Chegara à igreja acompanhada pela família que já freqüentava o grupo.Bonita, encantadora, meiga e extremamente romântica. Acreditava que um cavaleiro haveria de aparecer montado em seu cavalo branco e a levaria para o seu reino encantado e lá seriam felizes para sempre.
      Ambos nunca haviam se relacionado mais intimamente com outra pessoa.
Ele se achava extremamente feio e por isso não ousava se aproximar de quem quer que fosse. Via os amigos falando das namoradas, mas ele nunca tinha uma história para contar. Já namorara muitas garotas, mas quando elas descobriam, terminavam o relacionamento. Sofria da síndrome de patinho feio.
Não se sabe se ela tinha noção da sua beleza física, mas era encantadora. Havia, já, sido fotografada em um desfile de misses...sabia sim de seu potencial.
      Em uma tarde de maio, véspera do dia das mães, conversaram pela primeira vez. Ele, romântico, deu a ela um cartão escrito: “Deus deve gostar muito de você. Você se parece tanto com ele.” Foi a deixa. Ela se apaixonou. Aceitou um convite para um sorvete. Voltaram da sorveteria namorando. Ele nas nuvens, ela enamorada. Estavam felizes.
       Nos primeiros dias de namoro, todas as coisas ficaram para trás: amigos, futebol, escola. Em seu GPS Só havia ela. Andavam pelas ruas de mãos dadas ao vento frio de maio anunciando a chegada do inverno. Mas não importava o frio, dentro deles era verão.
     O amor chegou rápido e trouxe consigo o ciúme. Ciúme do sorriso, do olhar, do toque nas mãos, ciúme da indiferença.
    Ficavam por momentos sem dizer nada, apenas se mirando,se amando  em silêncio.
    Um dia, ele conheceu uma garota. Era interessante, alta, magra, bonita. Enamorou-se às escondidas. Ela descobriu. Terminaram o namoro com muitas lagrimas e promessas de amor eterno. Não ficaram muito tempo separados, voltaram, mas a semente da desconfiança já estava disseminada. Foram muitas idas e vindas e um dia ela terminou para sempre. Ele tentou reatar, mas ela foi dura e disse que havia terminado, estava interessada por outra pessoa.
Junto ao fora, deu a ele dois cartões. Em um deles estava escrito:
“Quando eu te perdi, nós dois perdemos. Eu perdi porque te amava e você perdeu porque eram eu quem mais te amava.
 Mas de nós dois quem mais perdeu foi você. Porque eu poderei amar a outros como te amava. Mas a você, ninguémte amará como eu te amei.”
E no outro, o golpe de misericórdia.
“Mais tarde em sua vida hás de lembrar, que eu também caminhei por tua estrada.
Mas a tua indiferença e o teu capricho me fizeram desistir da caminhada.
Mais tarde, quando estiveres só , lamentarás em vão a minha ausência e tentarás por certo disfarçar que as lágrimas que rolam por tua face, são as lágrimas do amor que não regaste e esqueceste também de cultivar.”
 Após palavras tão proféticas, resolveu tentar esquecer. Mas parecia que ela tinha certeza do que havia afirmado e suas previsões se confirmaram. Ele sofreu e muito. Noites e noites sem dormir, a presença dela era constante em seus sonhos e ela se transformou em um fantasma amado, arrastando as correntes do passado nos corredores do coração dele.
    Algum tempo depois, o inevitável aconteceu. Encontrou-se com ela nos braços de outro. Faltou-lhe o chão, mas nem ciúmes poderia ter. Como sentir ciúmes de algo que não lhe pertencia?
    Ficou sabendo que ela se casaria com um homem mais velho. Envolveu-se com ele a tal ponto de fazê-lo deixar a família para assumi-la. O desertor não era nem um coitado. Foram juntos para o México, e ele ficou com a sua eterna saudade.
   Em seu escritório, sonhava que o telefone tocava e era alguém do outro lado da linha querendo lhe falar. Para sua surpresa, ela era. Completamente arrependida e pedindo para voltar. Esse sonho nunca se concretizou.
   No dia do casamento, a toda hora ele se lembrava. Ela se casou, no dia em que morreu definitivamente dentro dele. O amor dera lugar ao esquecimento.
    Namorou muitas outras, mas indiretamente, procurava nas outras traços de seu grande amor e como nunca encontrou, nunca mais se apaixonou.
    A vida dá voltas. Segundo um ditado popular, até as pedras se encontram. Havia se passado dez anos quando o telefone tocou. Ele atendeu e do outro lado da linha ouviu aquela voz abafada. Seu cérebro bem que tentou identificar quem falava, mas estava distante. Então ela se identificou quando o chamou por um apelido carinhoso pelo qual só ela o tratava.  Um frenesi tomou conta do corpo, borboletas voavam em seu estômago, a boca secou e as pernas ficaram bambas. Ela queria vê-lo, estava com saudades. Dentro de seu coração ressuscitou aquela imagem antiga que ele tinha da mulher amada. Se encontraram. Conversaram. Ele fez serenata para ela, cantou Fascinação e ela ficou fascinada. Conheceu a filha dela, que deveria ser dele se o destino não houvesse se interposto entre eles. Abraçou e a amou desde a primeira vez.
    Ela lhe confessou que não estava vivendo bem com o marido e que descobriu que o amava quando já estava no altar à espera do homem que deveria acompanhá-la pelo resto da vida. Para não decepcionar os convidados, resolveu ir até o fim.  No dia que deveria ser o início de uma nova vida, começou o seu martírio em querer recuperar o passado.
   Ele ouvia a história sem se manifestar.
   Ela chorava; ele ouvia.
   Pediu para voltar, queria recuperar o tempo perdido. Ela se esquecera de que não se pode costurar o tempo. Não havia tempo perdido, havia tempo passado.
   Ele a abraçou. Disse-lhe que sonhara muito com aquele momento, mas o sonho havia se perdido na poeira do tempo. Era impossível recuperar, o amor fora esquecido e estava sepultado. Então tirou do bolso o pequeno poema e recitou:
  “Mais tarde em sua vida hás de lembrar que eu também caminhei por tua estrada.
    Mas a sua indiferença e o seu capricho, me fizeram desistir da caminhada.
Um dia, quando estiveres só a meditar, lamentarás em vão a minha ausência e tentarás por certo disfarçar, que as lágrimas que rolam por tua face, são as lágrimas do amor que não regaste e esqueceste também de cultivar.”
    Despediram-se e daquela vez foi para nunca mais.


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